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O capitalismo se alimenta de miséria afetiva

Toda forma de empoderamento é uma forma de captura e de reprodução dos poderes tristes. Por isso, é fundamental fazermos a distinção entre empoderamento e potencialização. Ultimamente, o termo “empoderamento” anda muito em voga, como se fosse um movimento positivo de fortalecimento das minorias. Trata-se, no entanto, de um tiro no pé das minorias, e por isso a necessidade de desfazer o mal-entendido entre minoria e devir-minoritário.

Deleuze e Guattari propuseram essa distinção entre devir-minoritário e minoria, e entre minoria e maioria. O devir-minoritário é completamente diferente do empoderamento da minoria. O empoderamento da minoria mantém a relação de reprodução dos poderes, mesmo que sejam contrapoderes, enquanto o devir-minoritário é um processo criativo.

Então, nosso problema: por que geralmente os movimentos minoritários, em grande parte, buscam saídas que têm ares de tutela em sua reivindicação de direitos? Deleuze e Guattari apontam esse comportamento como uma dimensão passional reivindicativa da produção de subjetividade das nossas formações sociais.

Em nosso processo de assujeitamento do desejo, nos tornamos cada vez mais passionais e reivindicativos. Ao tentar fugir das capturas — tanto de uma dimensão despótica que nos torna escravos como peças da máquina social, quanto da dimensão de assujeitamento que nos torna servis diante daquilo que nós mesmos desejamos —, nos submetemos por desejo a uma vontade de empoderamento. Esse duplo aspecto revela uma cumplicidade do nosso modo de existir com os poderes que eventualmente combatemos como nossos inimigos.

Quando os poderes soberanos se constituem em forma de estado, eles necessariamente se alimentam do nosso mau jeito de viver. Envolvem o modo de vida separado do que pode, cujo desejo não encontra a própria potência, e cujo desejo não começa em um horizonte de passagem, mas em um acontecido interiorizado e em um presente mal vivido. Em outras palavras, a condição humana atual é constituída pelo ressentimento.

O capitalismo não funciona sem a produção de uma miséria afetiva, ela é a condição da constituição e da reprodução do capital. A máquina social não para de rebaixar a vida: cria um espelho no lugar da zona de passagem, cria uma altura no lugar da superfície, cria uma forma no lugar do acontecimento, cria uma narrativa no lugar da potência inventiva da língua, cria modelos em vez de maneiras de existir que diferenciam a potência. E por que os movimentos minoritários ainda investem em contramodelos, em formas para se defender? Qual é a natureza desses direitos que tanto reivindicam?

Realizar a autocrítica de nossos modos de vida é muito importante. Não há modo de se estabelecer uma zona comum de passagem enquanto investirmos em uma forma ideal, ou em um estado universal, ou em um sistema de leis e regras, em maneiras de colocar o pacto no lugar do acontecimento. É necessário mudarmos o foco e adquirirmos o gosto estético por uma afirmação daquilo que diferencia em nós e deixar de desejar de modo teleológico e finalista.

O modo de vida é uma maneira de existir e, como tal, envolve tanto a afirmação da potência que se diferencia quanto a produção do comum. É no modo de vida que se produz o comum, que se produz o começo do desejo, que se produz um horizonte como uma visão que envolve qualquer tipo de vida, e que, ao mesmo tempo, põe essa vida em acontecimento. E uma vida em acontecimento também está necessariamente em diferenciação e, portanto, passa a criar valores. Então resistir é criar? Sim, desde que se crie um valor.