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O comunal como meio de coexistência de zonas autônomas para a afirmação das diferenças

Conferência Multidão de minorias
Conferencista: Prof. Luiz Fuganti (Escola Nômade)
Mediador: Prof. Dr. Auterives Maciel Junior (UVA/PUC-RIO/SPID)
19/08/2022
Transcrição: Gabriel Naldi

[Hudson A. R. Bonomo]: Nosso conferencista de encerramento, com a sua fala “O comunal como meio de coexistência de zonas autônomas para a afirmação das diferenças”, é o professor Luiz Fuganti. É filósofo, livre pensador da filosofia da diferença, autor do livro Saúde, desejo e pensamento. É considerado uma referência entre as melhores e mais acessíveis introduções ao pensamento nômade e à filosofia de diferença. Ele representa aqui também a Escola nômade. Vamos passar a palavra então para o moderador, prof. Auterives, para dar andamento aos trabalhos.
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: Boa noite. Estamos finalizando o primeiro “Multidão de minorias” com uma conferência de um grande pensador, um grande amigo meus, Luiz Fuganti, que vai trazer para nós exatamente, creio eu, o fundamental da diferença, da linha de fuga e dos devires minoritários, tais como eles foram postulados, certa vez, por Deleuze e Guattari. Não vou apresentar demais, vamos tentar aproveitar o tempo restante para fazer um debate interessante. Com vocês, Luiz Fuganti. Por favor.
[Luiz Fuganti]: Uma boa noite! Boa noite a todos, a todas. É um grande prazer estar aqui. Queria inicialmente agradecer ao meu grande amigo Auterives Maciel, pelo convite para participar deste importantíssimo evento. Um evento que realmente investe, fomenta uma zona de pensamento crítico e criador que é absolutamente urgente e necessário para os nossos tempos. E também ao Hudson, que, juntamente com o Auterives, viabilizou a minha participação. E dizer que eu me sinto muito honrado em estar neste momento fazendo este encerramento, o encerramento de um evento tão importante e rico em debates e problematizações disso que é, talvez, o tema-problema mais nevrálgico de uma postura, de uma condição ético-política do humano.
E uma condição tal que… eu não cheguei a participar de todos os eventos, eu vi algumas coisas do congresso, por absoluta falta de tempo e outros compromissos, mas o que eu pude ver foi muito, muito enriquecedor. E então eu vou me permitir fazer aqui uma aventura, ousar fazer uma aventura de pensamento com o seu duplo aspecto, crítico e criativo, acerca de um tema-problema que está envolto por mal-entendidos. Há muitos mal-entendidos em relação ao tema do comum, o que seria o comum, tão propalado pelo pensamento político de Toni Negri e Michael Hardt, e mesmo nas filosofias da diferença é um tema-problema central.
O ser comum, um tema que tem uma história no pensamento humano que revela a dificuldade de pensá-lo. O comum é tão importante que, uma vez o humano, as forças de humanidade em nós, conseguindo apreendê-lo na sua realidade, as nossas sociedades, as nossas formações sociais seriam simplesmente capazes de viver absolutamente sem estado. Sem estado e contra o estado. Não precisaríamos de estado, nem de lei, nem de norma. O comum realmente é a pedra filosofal, digamos assim, o elemento-chave, a pedra de toque do problema político e ético por excelência.
Ao mesmo tempo, o comum envolve o seu pressuposto, que é o outro polo, a outra face que ele envolve, como a potência que se singulariza. Todo ser comum envolve, necessariamente, um ser de potência. O ser comum, como um ser de passagem, envolve necessariamente um ser de potência como devir das forças. Isso faria com que ultrapassássemos também o problema do sujeito, da consciência e do indivíduo.
Acho que é importante começarmos falando do ponto de vista crítico, porque há um mal-entendido em relação ao comum. O comum não é — vamos dizer antes o que ele não é —, o comum não é um ideal. Por que ele não é um ideal? Porque o ideal é uma forma. O comum não tem forma. O comum, como um ser, não pode ter forma. Nós, à medida em que formos desenvolvendo e desdobrando o que o comum não é, nós vamos, na sequência, dizer o que o comum é. Então nós vamos antes fazer a crítica, depois nós vamos investir no pensamento criador.
O que o comum não é? Ele não é um ideal. Ele não é o ideal. O comum não é o universal — que é diferente do ideal. O comum também não é uma lei. Ele não é a dimensão legal. O comum também não é o público, isso é muito importante dizer. Muitos de nós ainda estamos iludidos com a dimensão do público. O comum não é o público. O público, ao contrário, revela um sequestro do comum. E o comum também não é o coletivo. Então o comum não é o ideal, não é o universal, não é o legal, não é o público, não é o coletivo. Também não é uma norma. Certamente não tem nada a ver com o estado.
Assim como aquilo que o comum envolve, que é a dimensão singular da potência, não é essa dimensão, não se confunde com o individual, com o indivíduo. A potência não é um indivíduo. Também não é um particular. Então não é o indivíduo que se oporia ao coletivo, não é o particular que se oporia ao universal, não é uma substância existente que se oporia ao ideal, não é o privado que se oporia ao público, não é o subjetivo que se oporia ao objetivo, não é a consciência que se oporia à ciência. Então o singular não é nada disso.
Por que não é isso? Porque nem o comum é uma forma, nem o singular é uma substância. O comum é uma zona de passagem, e o singular é um modo da potência. O singular é um ser de potência, o comum é um ser de passagem ou é o acontecimento dos acontecimentos de toda e qualquer potência que se diferencie. Não há um existente sequer que não esteja acoplado imediatamente a uma zona de passagem. Essa zona de passagem não tem uma forma prévia, como eu bem já falei. Ela é necessariamente uma afirmação. Portanto, o que o comum também não é? O comum não é uma zona neutra. Geralmente se confunde, quando entendemos o público como sendo uma zona neutra que estaria sobre o privado. Haveria uma zona de neutralidade onde o privado, sim, teria seus interesses, mas o público teria o interesse público, o interesse de todos.
O comum tem um interesse de todos, mas, na verdade, não como uma forma, mas como a afirmação de toda e qualquer diferença enquanto diferença, não enquanto diferença representada. Então o comum é uma maneira de afirmar a diferença de modo imediato, sem representação de qualquer tipo de forma, seja uma forma ideal, seja uma forma universal, seja uma forma coletiva, seja uma forma pública, seja uma forma legal, seja uma forma moral.
O comum, portanto, é uma afirmação. Se o comum é uma afirmação e ele é uma zona de passagem, ele não é neutro; ele é afirmador da diferença. É uma face que faz passar todo o presente que existe, todo ser existente. Como diz Spinoza, “toda potência em ato”, e o ato que atualiza essa potência, o ato que faz com que essa potência exista, que faz com que essa potência entre na existência e se efetue, esse ato é um ato de afirmação da diferenciação dessa potência. Esse ato, portanto, é um ato de afirmação da diferenciação dessa potência.
E é isso que nós nomeamos como desejo. O desejo é o caminho da diferenciação da potência, que envolve necessariamente um comum, aquilo, como diria Bergson, que faz passar todo o presente. Este é um aspecto do tempo. Um aspecto que define o tempo, a essência do tempo. Envolve essa face absoluta que faz passar todo o presente. A outra face absoluta do tempo é o que conserva todo o passado. E essa face que conserva todo o passado, que nós ligamos ou denominamos ser de tempo ou seres de tempo, a face que faz conservar todo o passado.
Então, de um lado, a face que faz passar todo o presente é a face do acontecimento. Mas essa face não tem forma, é um portal de devir, é um ser de passagem, é uma zona de passagem de todo e qualquer existente, de todo e qualquer ser vivo. Portanto, é isso que faz passar todo o presente, e não pode ter forma. Ao contrário: é um princípio que põe em variação qualquer forma. Não apenas submete as formas a variáveis, mas põe a forma e a variável em variação pura. Então, isso que faz passar todo o presente é a zona comum, sem a qual não há afirmação da própria potência, ou desse ser que jamais deixa de ser enquanto ser de potência, que está sempre por vir de modo diferente do que é. Esse passado que está sempre por vir, esse ser de potência como acumulação do tempo, no tempo e pelo tempo, é aquilo que constitui um modo.
Esse ser sempre tem uma dobra. Necessariamente, esse ser de potência é uma dobra, assim como o ser de passagem é um princípio de desdobra. O ser de passagem é o puro contato com o fora. O ser de potência é o puro e o imediato contato com o dentro. Então há um mediato da potência, que é o dentro, há um imediato do acontecimento, que é o fora. O fora e o dentro estão em contato imediato, sem qualquer mediação, desde que a potência em ato esteja ligada ao que pode.
Eu estou fazendo aqui um caminho bastante abstrato, mas não é abstrato por abstração do real. Ao contrário: é que o próprio real é necessariamente abstrato à medida em que esse nível de realidade é um plano virtual do real. Portanto, um plano virtual do real não tem forma, ele é um plano que não se confunde com o plano do possível — que já é um plano formal. O real virtual, a realidade virtual não é menos real por não existir ou por ser abstrata. Ao contrário, essa realidade, como ser de potência, necessariamente se diferencia na existência, a partir de um ato que principia nessa zona absoluta de passagem onde todo existente se diferencia e diferencia a própria essência.
Essa zona comum de passagem é um princípio de diferenciação, ou modificação, ou produção da própria essência. Há uma produção de essência na existência. Há uma produção de eternidade na existência. Isso tudo, inicialmente, pode soar muito abstrato, mas eu quero agora fazer uma contraposição, porque isso que estamos chamando de comum, como essa zona de passagem sem forma, e que envolve todo e qualquer existente de modo imediato. Portanto, de modo imediato todo e qualquer existente está de cara nesse abismo do existir, nesse abismo do tempo, nesse abismo do movimento.
Mas por que isso nos parece um abismo, como, por exemplo, a existência sem Deus? Parece um abismo porque nós geralmente vivemos em uma condição na qual o nosso desejo está separado da nossa potência. Nós estamos separados das nossas próprias forças. E por que isso acontece? Pelo modo de vida. Dependendo do modo como vivemos, nós colaboramos com essa separação e inventamos, no lugar, ou necessitamos até, em virtude dessa separação, de uma mediação, de uma espécie de ligadura, de um reatamento com o real. Buscamos nos religar ao que podemos geralmente de mau jeito. E isso é o que eu chamo de empoderamento: quando queremos de novo a potência e não sabemos como conseguir senão criando uma resposta torta, ou reproduzindo uma resposta torta que desemboca nos poderes estabelecidos, nos poderes tristes.
Toda forma de empoderamento é uma forma de captura e de reprodução dos poderes tristes. E por isso é fundamental distinguirmos entre empoderamento e potencialização. Eu sei que está muito em voga, ultimamente, o termo “empoderamento” como um investimento positivo, aparentemente positivo do desejo, para empoderar as minorias. Mas isso é um tiro no pé das minorias. É um tiro no próprio pé. E aqui vem a necessidade de fazer essa distinção, de desfazer o mal-entendido e a confusão entre minoria e devir-minoritário.
Deleuze e Guattari propuseram essa distinção que Auterives, já na sua palestra de abertura, tinha bem demarcado, a distinção entre devir-minoritário e minoria, e entre minoria e maioria. O devir-minoritário é completamente diferente do empoderamento da minoria. O empoderamento da minoria mantém a relação de reprodução dos poderes, mesmo que sejam contrapoderes, mas o devir-minoritário já é outra coisa, já é um processo criativo.
Então, nosso problema: por que geralmente os movimentos minoritários ainda caem, em grande parte, em uma confusão, em um mal-entendido de buscar uma saída que tem um ar de tutela, uma reivindicação de direitos, aquilo que Deleuze e Guattari já apontavam como uma dimensão passional reivindicativa da produção de subjetividade das nossas formações sociais?
Nós nos tornamos passionais, cada vez mais, e reivindicativos, no nosso processo de assujeitamento do desejo. E quando queremos fugir às capturas, tanto de uma dimensão despótica que nos torna escravos como peças da máquina social, quanto da dimensão de assujeitamento que nos torna servis diante daquilo que nós mesmos desejamos, nos submetemos por desejo a uma vontade de empoderamento; esse duplo aspecto, portanto, manifesta, exprime ou revela uma cumplicidade do nosso modo de existir com os poderes que eventualmente combatemos como nossos inimigos.
Eu quero chamar a atenção para essa dimensão crítica, a dimensão da cumplicidade — que não tem nada a ver com culpa. É muito importante distinguirmos a cumplicidade da culpa. A cumplicidade envolve o nosso modo de vida. Antes disso, eu queria ainda fazer um parêntese, antes de entrar nessa questão. Qual parêntese? É muito importante percebermos que, mais do que o ideal, ou mais do que a verdade, o problema é a vontade de ideal ou a vontade de verdade, como bem viu Nietzsche.
De onde vem o ideal ou a idealização? De onde vem a verdade ou a necessidade de se prender a uma forma? O que há de comum no equívoco em relação à compreensão do próprio ser comum? O que há de comum é a crença na forma. A forma, de alguma maneira, salvaria o humano. O que nós estamos definindo como “forma”? A forma é toda a realidade que se paralisa, que se prende ou que se fixa a uma imagem na qual o tempo e o movimento estariam ausentes. Haveria uma cristalização do tempo e uma coagulação do movimento. É a isso que nós ligamos a imagem da verdade e a imagem do ideal.
Por que o humano necessita de uma imagem do ser como sendo uma forma de permanência que seria a condição da sua salvação, a condição do seu resgate, a condição da sua liberação? E isso é comum às esquerdas e às direitas. Por que nós precisamos disso? Vamos lá. Agora vou começar com uma provocação para daí entrar no problema crítico.
Será que o que Negri e Hardt chamam de “comum”, inspirados em Spinoza, e “multidão”, não envolvem um princípio de organização transcendente? Será que não haveria uma crença ainda em um bem comum? Será que o comum não estaria ainda submetido à ideia de bem? Será que não haveria um romantismo que investiria uma ideia formal de comunidade ou de coletividade que uniria a multidão em torno de um projeto afirmador das diferenças, mas que não poderia se instituir sem a preservação de uma forma comum? Em que isso diferiria de um estado? Haveria, em um certo anarquismo, talvez, ainda um mal-entendido da crença em uma forma, mesmo que essa forma fosse uma forma que individualmente ressoasse de modo comum entre todos? Uma forma de comunicar os indivíduos e as diferenças?
Eu não sei se vocês me compreendem, eu estou tentando ser o mais sintético possível, em virtude do nosso tempo, claro, mas há um problema aqui. O que nos une? O que faria com que nós, humanos, pudéssemos viver em sociedade sem um centro de poder opressor, repressor, sabotador, parasita que, de alguma maneira, rebaixaria a vida? Haveria uma maneira sob a qual ou através da qual nós humanos poderíamos viver em sociedade? Um puro plano imediato de composição das diferenças, sem o atravessamento de nenhuma forma que se sobressairia sobre a multidão ou as multidões? E que, através dela, sim, haveria uma mediação do bem, uma mediação benéfica que faria com que nós vivêssemos de modo solidário e solidariamente ativos?
Me parece que há uma dificuldade muito grande de pensar esse comum fora da forma. Eu queria dizer aqui que o comum (quero reforçar isso) não tem forma de modo algum, senão ele não poderia ser comum, porque toda forma, de alguma maneira, é parcial. Não há universal que não seja um ponto de vista eleito arbitrariamente a partir de uma força que toma o poder, se torna hegemônica, ganha uma certa ascendência, uma certa iminência. Todo universal, todo ideal, todo coletivo, todo público dependem da eleição de uma parte que se torna o todo. Toda forma tem um princípio arbitrário. A forma é sempre efeito da relação de forças. Então, se eu confundo o comum com a forma, é impossível que haja de fato relações transversais diretas entre as diferenças e as singularidades, entre as multidões e minorias — para usar aqui este título maravilhoso deste congresso —, de maneira imediata, portanto, sem mediação. Seria impossível. Nós precisaríamos de uma representação, de um sistema de representação, de uma instância que terceirizaria. Nós delegaríamos a essa instância formal comum a legitimação das nossas relações, dos nossos afetos, das nossas ideias.
Aqui agora entra o problema crítico. Eu vou, nesses próximos minutos, desenvolver o aspecto crítico. Qual seja, a vontade de ideal, a vontade de universal, a vontade de lei, a vontade de direito, a vontade de um estado democrático de direito, a vontade de uma tutela, a vontade de uma forma sem a qual haveria o arbítrio, haveria a violência e a violação. Os direitos seriam esmagados, seria isso?
A vontade de verdade, a vontade da forma, a vontade de se ligar a um princípio que transcenderia a existência ou que se sobreporia às relações, que mediaria as relações, a vontade de investir nesse princípio é uma vontade também de representação. É uma vontade de ser salvo por essa reapresentação de uma vida que não teria potência ou qualidade própria para se autogerir, que precisaria de uma forma exterior, uma forma de exterioridade que deveria ser, inclusive, introjetada, fabricando uma forma de interioridade em nós. Uma interioridade subjetiva para uma exterioridade ideal ou objetiva.
De onde viria isso? Toda vida separada do que pode necessariamente confunde duas coisas: o que nós somos, o que uma vida é na essência (para me servir aqui de Spinoza)? E eu posso dizer que todo ato é um acontecimento. Logo, uma potência em ato é uma potência em acontecimento. Logo, a vida, na sua essência, por direito é uma potência de acontecer. É uma potência de acontecer, mas ela pode acontecer diferenciando ou acontecer sendo diferenciada. Ela pode acontecer fazendo a diferença ou ela pode acontecer sendo produzida, coagida, obrigada a se efetuar ou se diferenciar segundo uma força exterior que faz dela a função de um poder. Ou seja, nós podemos existir de modo ativo ou de modo passivo.
Nós somos uma potência de acontecer, mas quando nós confundimos a potência de acontecer com aquilo que nos acontece, nos reduzimos a um acontecido em nós, e o acontecido toma o lugar da nossa potência de acontecer. E a nossa vida ganha um estatuto de rebaixamento. Nós somos rebaixados pelo nosso próprio mau jeito. Alguma coisa nos fisga, alguma força exterior nos determina de modo tal que nós nos colamos ao que aconteceu a nós, e esse acontecido em nós, que nos reduz como potência de acontecer, forma aquilo que Deleuze e Guattari, a meu ver, chamam de “buraco”. O esburacamento do desejo vem de cada acontecido posto no lugar da potência de acontecer. É uma espécie de estado de coisas e de acontecimento que se interioriza. Um estado é sempre um limite. Um estado afetivo é um limite, mas esse limite é interiorizado em nós. É isso que seria, a meu ver, o que Deleuze e Guattari entendem por esburacamento do desejo.
Há uma produção da falta, há uma produção política da falta nas nossas formações sociais. Elas existem necessariamente com esse pressuposto, porque são formações sociais que pressupõem um centro de soberania, e não há centro de soberania que não implique, que não envolva uma vida rebaixada. Portanto, há uma megamáquina social — para usar a linguagem de Deleuze e Guattari, ou de Lewis Mumford, que inventou o termo “megamáquina” — que produz necessariamente o rebaixamento ou nivelamento das vidas por baixo. Portanto, que investe nos acontecidos mais do que nas nossas potências de acontecer. E quanto mais nós nos colamos e nos reduzimos a essa dimensão do acontecido, mais nós nos ressentimos. Nós nos submetemos a uma queda e, a partir dessa queda, um desejo emerge. Um desejo derivado do mau encontro, da separação do nosso desejo intensivo, do nosso desejo imanente da nossa potência de acontecer. A separação do desejo da potência implica, portanto, a produção de uma impotência, e a partir dessa impotência nós desejamos de modo diverso, qual seja, o modo intencional.
A maneira intencional de desejar vai também buscar sair desse buraco, vai buscar sair dessa queda, vai buscar se levantar depois de ter caído. E geralmente nós buscamos nos levantar, nos ligar à nossa potência de mau jeito, através de um caminho trapaceiro do empoderamento. O empoderamento é a via torta de escape. É uma falsa escapada, é uma linha de fuga covarde que, na verdade, esposa um ideal transcendente de salvação. Nós, à medida em que somos lançados em um buraco pelo nosso próprio mau jeito em relação à existência — e aqui, de novo, não há culpa. Há cumplicidade, sim, e a cumplicidade ao mesmo tempo aumenta nossa responsabilidade, mas ao mesmo tempo nos liga ao que podemos. A culpa, não. A culpa simplesmente diz “A existência é culpada, a existência é insuficiente”. Como diria Lacan, “Essa vida é uma insuficiência de ser”, essa falta que é o ser na existência. Essa falta que é o ser na existência é porque estamos separados da nossa própria potência ou das nossas forças.
Então nós desejamos a partir desse buraco. E, ao desejar a partir desse buraco, ou a partir dessas quedas, ou a partir desses acontecidos se empilhando em nós e constituindo a nossa história pessoal, a história pessoal de cada um, e aí sim, produzindo-nos, nos confundindo, nos reduzindo, a nossa potência singular é reduzida a um assujeitamento. É um processo de subjetivação que assujeita e captura o desejo através do empilhamento de acontecidos, dessas camadas, desses estratos que vão se acumulando em nós à medida em que o tempo e o movimento são experimentados de mau jeito, com um presente que passa sempre mal passado, um presente mal digerido, um acontecimento que, de alguma maneira, tem no seu horizonte uma abolição, uma negação, uma sabotagem, algo que rebaixa a vida, que leva a vida em direção, como diria Heidegger, a um ser para a morte.
Então haveria uma malquerença em relação ao acontecimento. Uma espécie de desgosto e mau gosto em relação a todo e qualquer acontecimento, porque o acontecimento sempre nos deixa mais velhos e mais impotentes, a cada acontecimento ficamos mais fracos, mais rebaixados e com mais vontade de sair do buraco. Ou até o ponto em que desistimos, e aí é a grande depressão, o grande buraco que vira uma cratera incomensurável.
O que eu quero sugerir aqui, para pormos no horizonte problemático do nosso modo de pensar, de desejar e de viver, é que há uma cumplicidade de todo existente que por alguma razão é separado do que pode. E quando ele quer sair, quando ele quer se esforçar, como diria Spinoza, “Nós somos conatus”, nós somos uma potência em ato, mas que, no limiar péssimo, ou na tendência, que é a da sobrevivência, nos esforçamos para permanecer, para perseverar na existência. E quando nos esforçamos para perseverar na existência, nós buscamos alguma saída, alguma forma, alguma verdade, algum ideal, algum universal. Não significa que nós tenhamos esse ideal, que nós tenhamos esse universal, que nós tenhamos essa verdade; mas significa que temos vontade, temos desejo de encontrar uma narrativa tal que construa uma tábua de salvação. E isso pode ser também um plano de reivindicação de direitos. Isso pode ser também a criminalização de certos modos de existir. Isso pode ser a inflação da produção de leis e de normas, mesmo em nome de uma boa causa.
Por que precisamos dessa muleta? Por que precisamos dessa escora? Haveria então uma produção de desejo carente, de desejo na falta, de desejo como falta. Falta de objeto, não apenas de objeto material, mas principalmente falta de uma forma ideal de se completar na existência. Falta de uma forma de satisfação. E aí buscaríamos sempre uma espécie de forma de exterioridade, a completude que corrói a nossa existência. Nós colaboraríamos, nós seríamos cúmplices daquilo que combatemos, como, por exemplo, essa instância que Deleuze e Guattari chamaram de “maioria”. A maioria como um metro padrão, a maioria como uma forma vazia, a maioria onde ninguém habita, a maioria como modelo. Nós desejaríamos uma maioria diferente da maioria aí estabelecida, desse metro padrão que nos esmaga, que nos oprime, que nos captura, que nos sabota.
Eu acho que o Auterives deu o exemplo, logo na conferência de abertura, que Deleuze e Guattari dão, o célebre exemplo do homem macho, branco, europeu, civilizado, bem-falante, adulto, racional etc. Esse metro padrão que constitui a maioria. Tudo mais diante dele se torna minoria, e a minoria então não é simplesmente uma questão numérica porque, na verdade, a minoria é sempre em maior número e a maioria é zero, é ninguém. A maioria é um modelo vazio, onde nem mesmo o homem branco europeu cabe, mas o homem branco europeu que adota esse modelo se empodera.
E quem mais vai se empoderando? Há uma boa parte da sociedade que é cooptada por isso. E aqueles que entram em choque e resistem vão buscar fortalecer uma minoria em uma outra forma, em uma outra tutela? Vão confundir o comum com uma forma? O comum é o começo do desejo, e o começo do desejo é também o começo do corpo e é o começo do espírito. O começo do desejo não tem forma prévia, ele é um princípio de corporificação, de produção de corpos, assim como é um princípio de produção de movimento. Quer dizer, os próprios corpos são produzidos por movimentos intensivos. Onde começa o movimento intensivo? Começa no desejo. Onde começa o desejo? No acontecimento, e não em um Eu, não no indivíduo, não na alma. O desejo começa no acontecimento, e ele termina? Não, ele monta um circuito. Ele envolve a potência que se diferencia, é o desejo de diferenciar a potência. O desejo começa na afirmação da potência. O desejo ou a afirmação da potência já estão no ser comum. O ser comum já é desejante, portanto, o ser comum não pode ser neutro. Ele não é neutro, ele é desejante.
O seu desejo tem interesse? Total interesse, mas seria importante distinguirmos um desejo interessante de um desejo interesseiro. O desejo interesseiro é sempre um desejo que opera na trapaça. O desejo interessante é aquele que opera na intensificação da potência. Então tudo tem interesse. Tudo tem desejo. O desejo começa nessa zona de passagem. Então a zona de passagem não pode ter forma, ela é algo como aquilo que necessariamente nos libera da realidade pronta ou acabada. Toda zona de passagem faz passar todo o presente acabado ou pronto, toda realidade pronta. A zona de passagem é um princípio de criação. A zona de passagem te diz assim, “Você está aí, você existe necessariamente para diferenciar”. E se você não diferenciar, você vai ser diferenciado. Isso é um elemento importantíssimo.
Quando os poderes soberanos se constituem em forma de estado, eles envolvem necessariamente esse mau jeito de viver, esse modo de vida separado do que pode, esse modo de vida cujo desejo não encontra a própria potência, esse modo de vida cujo desejo começa não no horizonte de passagem, mas em um buraco ou em um acontecido interiorizado, em um passado mal passado, em um presente mal vivido, mal digerido. Ou seja, uma intoxicação. Ou seja, na linguagem de Nietzche, um ressentimento. Então a condição humana atual é constituída pelo ressentimento. Não há produção de subjetividade atual que não envolva o ressentimento.
O capitalismo não funciona sem a produção de uma miséria afetiva. A miséria afetiva é a condição da constituição e da reprodução do capital. Então há uma máquina que não para, não dá trégua, ela está sempre rebaixando a vida. Por que nós vamos criar uma política de enfrentamento, de modo a confrontar essa zona especular? Porque essa máquina social cria um espelho no lugar da zona de passagem, cria uma altura no lugar da superfície, cria uma forma no lugar do acontecimento, cria uma narrativa no lugar da potência inventiva da língua, cria modelos em vez de maneiras de existir que diferenciam a potência. E por que os movimentos ainda investem em contramodelos, em formas para se defender? Eles precisam de uma espécie de tutela, de um estado democrático de direito.
Qual é a natureza desses direitos nos quais estamos investindo? É uma coisa muito importante essa autocrítica voltada para os nossos modos de vida. Não há modo de se estabelecer uma zona comum de passagem, como o comunal que implica a coexistência das diferenças, o comunal como zona de passagem na qual coexistem e são afirmadas as diferenças de maneira transversal e imediata, não há essa possiblidade enquanto investirmos em uma forma ideal, ou investirmos em um estado universal, ou investir em um sistema de leis, de regras, ou colocar o pacto no lugar do acontecimento. O pacto no lugar do gosto, o gosto por um modo de viver, o gosto estético por uma afirmação daquilo que diferencia em nós, dessa zona de passagem. Mudar o foco, deixar de desejar de modo teleológico, de modo finalista.
Por que nós desejamos modo teleológico e de modo finalista? Porque nós caímos no buraco e confundimos o buraco com uma origem. É o sistema do bom senso, que implica sempre uma única direção do tempo. A origem que começa no buraco. E o que era o buraco? Não era uma origem, era uma submergência, era um efeito de afundamento, de separação da vida do que ela pode. Isso era origem? Ora, então nós temos que voltar a fazer emergir essa submergência, devolver a superfície à potência, sair do buraco em vez de desejar uma altura que nos tire do buraco, em vez de querer segurar na mão de Deus, na mão do estado, na mão do sistema de direitos, na mão de uma tutela.
Ou então: será que a unidade de uma multidão seria uma forma difusa e romântica de bem? Um bem talvez místico? Um bem mal apreensível, mal apreendido? Um bem que bastaria que nós acessássemos uma zona inocente dentro de nós mesmos, dentro de cada um de nós? Desejaríamos então de modo inocente, como Rousseau e seu bom selvagem? O que eu quero dizer é o seguinte: não há unidade de multidão que mantenha essa multidão afirmada nos seus processos de singularização sem a produção de um modo de vida. Um modo de vida realmente ativo. O modo de vida não tem nada a ver com o indivíduo. O modo de vida não tem nada a ver com o sujeito ou com a consciência. Não é uma ilusão pequeno-burguesa de ensimesmamento na qual você e seu modo de vida vão viver de modo solipsista, em uma bolha que faria com que você se mantivesse incólume às forças nocivas que destroem ou rebaixam a vida. Não é disso que trata.
Na verdade, o modo de vida é uma maneira de existir. E uma maneira de existir envolve tanto a afirmação da potência que se diferencia quanto a produção do comum. É no modo de vida que você produz o comum, que você produz o começo do desejo, que você produz um horizonte como uma visão que envolve qualquer tipo de vida, e que, ao mesmo tempo, ao envolver esse tipo de vida, põe essa vida em acontecimento. E, quando põe essa vida em acontecimento, põe essa vida em diferenciação. E, quando põe essa vida em diferenciação, põe essa vida a criar valores. Então, resistir é criar? Sim, desde que se crie um valor.
O que é um valor? Um valor é uma potência. Um valor é um modo de potência, é algo que pode afetar e ser afetado, como diria Spinoza. A criação de um valor é a criação de uma potência. E essa potência ou esse valor criado retornam sobre nós em forma de mais potência. Não de mais poder, mas de mais potência. E, quanto mais potência, mais criação de diferença. Quanto mais criação de diferença, mais generosidade. Quanto mais generosidade ativa, excedente, mais riqueza, mais valor real, que não tem nada a ver com preço, dinheiro ou capital. Ao contrário, preço, dinheiro ou capital seriam derivados de toda produção do valor.
Nós temos que nos tornar criadores novamente. E por que perdemos tempo em fazer política do confronto? Porque ainda acreditamos que há uma forma que se contrapõe a outra forma. Por que nós não abandonamos as formas? Por que não damos um passo atrás (aparentemente), e deixamos de fazer um duplo mau uso da dor? Quando nos sentimos vítimas porque fomos grudados, colados ao que nos aconteceu, nos confundimos com o que nos aconteceu, nós reduzimos a nossa potência de acontecer ao que nos aconteceu, nos sentimos atrasados e vítimas, e buscamos uma compensação, buscamos uma justiça. Vamos praticar um ato de justiça ou justiceiro — que, no fundo, não passa de uma vingança.
E então fazemos um duplo mau uso do mal que nos acontece. E buscamos sair disso de modo torto, de modo trapaceiro, buscamos o empoderamento. O que é o empoderamento? É uma espécie de contrapoder que vai destituir, destruir ou afastar o inimigo, aquele que nos fez mal, para encontrar uma forma de nos conservar, de sermos atendidos na nossa falta, no nosso buraco, encontrar um objeto que nos preencha, um sujeito que nos preencha. E, ao mesmo tempo, vamos ser muito complacentes com os nossos prazeres, com o bem que vai nos acontecer. Nós vamos fazer um péssimo uso, um mau uso do bem que nos acontece quando usamos o prazer para nos consolar ou para compensar a vida miserável que levamos. E ainda nos agarramos a esse sistema de obtenção de prazer investindo em uma forma de controle que é também um modo de nos empoderar, um duplo mau uso do bem que nos acontece, portanto.
Então fazemos um duplo mau uso do mal que nos acontece e um duplo mau uso do bem que nos acontece — claro, estou falando aqui de modo esquemático, isso aqui dá para multiplicar em nuances, mas, grosso modo, é isso. E, na medida em que fazemos esse duplo mau uso do mal e do bem que nos acontece, nós mordemos a isca e investimos em sistemas de tutela. Somos passionais e reivindicativos de direitos, de políticas de compensação, e esquecemos que é muito mais interessante ou invadirmos para destruir, ou nos evadirmos e deixar o barco, abandonar esse barco para criar o próprio barco, abandonar esse mundo para criar o próprio mundo, para criar mundos próprios. E esses mundos próprios não são mundos egóicos, não são mundos solipsistas, não são mundos de grupelhos, não são mundos de minorias buscando sua identidade; mas são mundos como zonas autônomas nas quais bebemos direto da fonte. E, nessa medida mesma, podemos também encontrar uma zona de ressonância. Fazer da zona de passagem uma zona de ressonância entre essas zonas autônomas. Cada zona autônoma que conquistamos, de cada maneira de existir, ressoa com outras zonas autônomas que não dependem de nenhum poder estabelecido, mas que criam as territorialidades existenciais, que criam o próprio espaço, o topos, em vez de ficar sonhando romanticamente com uma utopia que não se realiza nunca.
Nunca nós temos o lugar a ocupar, e o lugar a ocupar é sempre uma cilada. Nós temos que produzir o próprio lugar. A vida está sempre em estado de ineditismo, ela é sempre inédita, como diria Bergson. Não há um momento sequer deste universo ou da própria duração absoluta no qual não seja novo que esteja sendo produzido. O todo, o aberto do Bergson. Há sempre o novo e nós estamos implicados diretamente nisso. Então, criar é a melhor saída. Criar aquilo que nos preenche. Nós não nos preenchemos de objetos, sejam materiais, sejam ideais. Nós nos preenchemos de acontecimentos. E o acontecimento é aquilo que envolve a nossa potência e que a põe em diferenciação. E à medida em que a põe em diferenciação, produz tempo próprio e lugar ou topos. Produz o aqui do lugar e o agora do tempo. Produz o imediato sem o qual não há zona de passagem, não há esse “sim” à vida, não há esse acontecimento que envolve afirmativamente a diferenciação das nossas potências.
E é isso que é muito importante destacar. Ou seja, que, antes de ficarmos perdendo tempo… eu sei que muitas vezes, em muitos aspectos, existe uma certa política estratégica quando se discute gêneros, quando se discute raças, quando se discute uma série de elementos ou atributos que definem as minorias, e se busca estrategicamente fazer um confronto. Mas um confronto com a maioria, ou com a política estabelecida, ou com o status quo dominante, ele deve ser feito por efeito, e não como uma finalidade. Enquanto nós estamos preocupados em confrontar, em lutar contra, nós perdemos nosso tempo, nós deixamos de criar os tempos próprios e os lugares próprios. Nós ficamos disputando o lugar com a maioria, em vez de criar nossos lugares únicos, singulares, incomparáveis, insubstituíveis.
A afirmação das diferenças que emergem da potência, esse processo diferencial é sempre um meio de fazer de cada vida e de cada modo de vida algo de único e insubstituível. É isso que dá, na verdade, a consistência a toda diferença, que não pode, nesse nível, ser representada. Não vai haver democracia no mundo que vai poder representar essa diferença. E nem a democracia participativa é a solução, porque nós não queremos fazer parte de um teatro, de uma máquina que, no fundo, nivela a vida por baixo, ou que busca uma forma comum de existência. Não é pela forma comum de existência, é pelo horizonte que nos envolve, e esse horizonte que afirma necessariamente a diferenciação da nossa potência. E não há, é impossível que haja, na diferenciação da potência, a produção de um empoderado que vá mutilar outras vidas, que precise aniquilar, ou parasitar, ou sabotar, ou oprimir, ou reprimir, violar, violentar outras vidas na medida em que a potência é diferenciada.
A potência que se diferencia é generosa, é dadivosa, ela gera valor e tem o retorno sobre si. Ela cria um circuito intensivo de desejo, não um circuito intencional. Intensivo porque, à medida em que ela se lança, criando zonas de passagem, maneiras de existir que produzem duplamente corpo e pensamento, “aquis” e “agoras”, novos polos, novas janelas, novas portas, novas pontes, ao mesmo tempo em que produz isso, essas zonas de passagem como um acontecimento que toca a multiplicidade do fora, também retorna necessariamente sobre si, como acontecimento que toca o dentro que envolve toda a potência. E é nessa medida mesma que a nossa potência aumenta, ganha mais realidade, apreende mais realidade e é capaz de produzir mais diferença, gerar mais valor de modo dadivoso. Em um outro limiar de relação, encontrando um plano de composição, e não mais um plano de organização. Um plano de composição e de consistência entre potências, que de modo algum precisaria, como no caso do universal, submeter-se como partes.
Nós sabemos que Hobbes — eu já estou finalizando, eu sei que eu já estou extrapolando aqui o nosso tempo, mas só para citar um exemplo. O universal, nós temos uma ideia de que é bom como uma espécie de imagem do ideal que seria o bem. Por exemplo, em Platão o ideal era necessariamente o bem, ele manifestava o bem porque esse ideal seria o ser de todos os seres. Não haveria nenhum ser existente que não fosse imagem e cópia desse ser ideal. Então esse ser ideal é aquilo que daria alguma realidade ao ser existente, alguma consistência ao ser existente. Então todo ser existente dependeria de uma realidade que o transcenderia e que o comandaria de fora.
No caso do universal, é como o estado em Hobbes. Em O Leviatã, Hobbes vai dizer que é preciso abrirmos mão do nosso direito natural, de parte do nosso direito natural, depositá-lo no centro para constituir a força de um estado soberano, um poder central soberano, sem o qual os indivíduos, no seu estado natural de direito, mutuamente se mutilariam. Era um estado de guerra de todos contra todos. Então é preciso que depositemos parte desse nosso direito natural no centro, para que o centro de soberania se constitua como um universal que submete as partes. Então as partes e os indivíduos estariam submetidos a esse universal e a esse centro derivado do pacto coletivo.
Ora, isso é uma submissão, porque nós não somos partes, nós somos singularidades. E, se nós somos singularidades, nós não precisamos nos reduzir ao universal ou a qualquer ideia de universal. A mesma coisa é a questão da lei, porque a lei não deixa de ser um universal. Então, o que precisaríamos? Precisaríamos inventar regras de passagem, como diria David Hume, e não leis. Mas o que são regras de passagem? São maneiras de se compor. O que Spinoza chamaria de “noções comuns”. São razões de composição entre potências, e não leis que nivelariam a vida por baixo, leis que implicam uma falta originária, uma falta de compostura, uma falta de civilidade. Como o próprio Freud admitiu em uma das suas últimas obras, O mal-estar na civilização, sem a lei não há civilização, portanto, é necessário nos submetermos, nos conformarmos com esse mal, o mal necessário. Submetermo-nos à lei, submetermo-nos a uma forma do comum.
Boa parte da psicanálise, a psicanálise ortodoxa, principalmente, ou mesmo do marxismo, de várias correntes que tentam criar uma saída, e mesmo as correntes anarquistas, muitas vezes confundem a forma com a forma do indivíduo. Quer dizer, o que é comum, é comum ao desejo individual; e o desejo individual está submetido a um estado afetivo. O indivíduo já é o resultado de um estado afetivo. O indivíduo esconde uma multidão dentro de si, como diria Spinoza. Atrás do indivíduo tem uma multidão. O indivíduo é uma multidão calada, uma multidão reduzida, uma multidão submetida. Então o indivíduo não deve ter a última palavra, muito menos o sujeito ou a consciência. A diferenciação da potência, sim.
Então é disso que se trata. Nós precisamos deixar de investir a forma como um meio de salvação ou como um meio de libertação. Deixar de investir um sistema de direitos. O próprio Foucault já denunciava isso. Ele dizia “Ora, as esquerdas se servem de um sistema de direito, o tal direito positivo, que nasceu nas barbas dos antigos impérios, dos antigos regimes de soberania, ou das antigas monarquias”. Os regimes soberanos, o que Foucault chamava de “antigo regime soberano”, em contraposição ao regime disciplinar — mas o regime disciplinar, que é um regime normativo, não abandonou o regime legalista dos antigos estados. A lei foi inventada pelo déspota.
Esses sistemas de nivelamento implicam um conformismo. Nós diríamos então, “É necessário nos submetermos porque não haveria outra forma de existir em estado, uma forma de existir sem uma forma comum?” Por quê? Porque nós não criamos um modo ativo, afirmativo e intensivo de viver. E o que seria esse modo? Para resumir, na fórmula de Nietzsche, seria um modo no qual as nossas forças ativas ou de criação, as nossas forças de diferenciar e de fazer a diferença estão no comando, são dominantes em relação às nossas forças reativas de conservação. As forças reativas de conservação têm uma função, sim, mas a função de serem agidas pelas nossas forças ativas.
Eu sei que isso tudo que eu falo, de alguma maneira, é bastante complexo, exigiria muito tempo de desdobramento, mas eu espero ter passado aqui um mínimo de clareza para inspirar pesquisas, inspirar estudos, inspirar investigações e criações, para que possamos contribuir cada vez mais com novas maneiras de existir em sociedade. Acho que é isso, então. Eu passei um pouco do tempo, não é isso, Auterives?
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: “O mínimo de clareza” foi uma elegância sutil, para fechar. Brilhante, adorei sua fala. Uma fala que pega de Spinoza e trabalha Spinoza em uma diagonal maravilhosa.
Quer dizer, você falou da sua maneira, de como sair do primeiro gênero para o segundo. Pensar o comum, a potência do comum, pelas noções comuns, e chegar à intensidade da potência, no terceiro gênero do conhecimento. Brilhante!
E, ao dizer também que “o devir não tem forma”, a gente pegou, vai do Spinoza e trouxe para cá, porque não há devir do organismo, há devir de partículas. É preciso emitir partículas, entrar na zona de vizinhança com alguma coisa à qual estamos ouvindo. E as formas são a base da representação orgânica. São três formas: o organismo, a representação do ego e essa merda da significância. É isso. É preciso escapar dos três. Desfazer o organismo, diluir o ego e sair fora da significância, para alcançar essas zonas de indiscernibilidades assignificantes. Ali onde os devires vão ocorrer fora de qualquer marcação da forma. Brilhante, adorei isso.
E, quando nós estávamos disparando essa série anteontem, para pensar, como Deleuze, esse — bom, agora eu me encontrei, né? — esse horizonte dos devires, faltava o pensar mágico conceitual para falar do horizonte dos devires. E o horizonte dos devires é o devir imperceptível, onde não há forma alguma. É isso aí, não há possibilidade de reconstituição de nenhuma forma nesse horizonte do devir. Quando o devir é imperceptível, cabe ao devir-minoritário desaparecer de uma vez da visão do poder.
E é por aí, não é, Luiz? É por aí que nós agimos.
[Luiz Fuganti]: É totalmente por aí. Exatamente. Nós devemos deixar de choramingar e de reivindicar reconhecimento. O que mais sentimos nos movimentos é sempre o reconhecimento, a necessidade de ser reconhecido. Ser reconhecido como isso, ser reconhecido como aquilo, ser reconhecido como aquilo outro.
Ora, na verdade é uma sorte não ser reconhecido. Na verdade, é uma sorte estar perdido para o mundo e para os outros. Como diria Deleuze quando se aposentou, “Ser aposentado é ser abandonado pela sociedade”. Que alegria! Que alegria ser abandonado.
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: Que alegria não ter mais um ego para defender, né?
[Luiz Fuganti]: E nem a necessidade de ficar atendendo a demandas. Deixar de ser… Investir nas próprias territorialidades existenciais. Imagina, quanto tempo perdido, como nós perdemos tempo confrontando o poder, em vez de exatamente desaparecer. E desaparecer não é se esconder. É se mostrar tanto, mas tanto, que não conseguem te pegar. Porque o que você mostra é a pura zona de passagem. O que você mostra é o puro fluxo, e se o fluxo não tem forma, ele é incapturável.
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: Isso. É o chamado “segredo por transparência”. Límpido, porém impenetrável como a água.
[Luiz Fuganti]: O segredo nômade por transparência. Perfeito. Ele não tem conteúdo a esconder. Nenhuma forma que vá relevar um conteúdo, porque ele já não tem forma, e de tanto ele se mostrar, ele não tem como ser aprisionado ou enquadrado. Porque aquilo que nós nos tornamos é como a pele da cobra. Nós mudamos de pele a cada momento. Por que não aprendemos a gostar de trocar de roupa ou de pele? Vamos trocando. As máscaras deveriam ter esse papel. As personas, em vez de colar em uma pessoa. Usar personas, usar personagens filosóficos, como você bem lembrou.
O devir imperceptível implica isso. Na mais alta potência do falso, na mais alta potência da produção das máscaras, a verdade é a maior de todas as mentiras inventadas.
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: Maravilha. Queria agradecer a todos vocês aqui. Multidão de minorias é um evento ainda complexo, e essa complexidade deve vigorar para que possamos assimilar direito o que estamos chamando de devir-minoritário. Isso precisa ser dito sempre, porque há uma tentação de retornar à forma, e você marcou isso muito bem na sua fala. Uma minoria quer uma forma X para ser reconhecida, e acaba lutando para ter um lugar definido, quando o expresso revolucionário estaria na outra direção, criar um devir-minoritário, inventar um devir-minoritário.
[Luiz Fuganti]: Eu sinto que o problema fundamental está no uso da dor, no mau uso da dor. Nós nos incomodamos, nós nos perturbamos demais e fizemos uma interpretação absolutamente equivocada da dor, como se a dor fosse aquele mal ou aquele inimigo do qual nós devemos nos livrar, quando a dor é sempre um presente. Tem um presente escondido atrás de toda dor. Eu ousaria dizer que, em vez de abolirmos todo tipo de castigo, o castigo deveria ser transmutado em presente. O melhor castigo é quando ele se torna um meio de fortalecer a vida, e não de rebaixar, ou humilhar, ou esmagar a vida. Então, aprender que a dor pode ser um presente que inventa uma maneira de criar a distância que nós não fomos capazes de criar no momento em que fizemos um mau encontro. A dor é uma força de criar distância, a distância necessária que nos descola do acontecido em relação à nossa potência de acontecer, e nos devolve a potência de acontecer. E o sentido alegre da dor do qual falávamos.
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: Tem que falar mesmo. E Nietzsche criticava o sentido cristão, a interpretação cristã da dor. Criticava, não parou de criticar isso. Que internaliza, o homem separa o homem daquilo que ele pode, pega as forças agressivas dele, bota para dentro, e vem um sacerdote para dizer que você está sofrendo porque você é culpado. Olha só que filho da mãe.
[Luiz Fuganti]: É, é incrível. E aí o que é incrível é que não é só… quer dizer, é geral o sentimento de esmagamento da humanidade e de uma autopiedade. Então é nas esquerdas e nas direitas, tem sempre o sentimento de vítima que, de alguma maneira, deve ir à desforra. Que deve ser restituído, “Ah, eu fui injustiçado, então devo ser restituído”. Quer dizer, que é o movimento da vingança, em vez de deixar de idealizar as condições da existência. Quando os nossos movimentos de esquerda vão deixar de idealizar as condições de existência e investir na garantia de estados de direito? Quando nós vamos deixar de fazer isso? Quando aprendermos a criar novas maneiras de viver.
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: É isso mesmo. Quando aprendermos a criar novas maneiras de viver, de preferência criando maneiras potentes, para fazer essa hierarquia estatal desabar.
[Luiz Fuganti]: E para isso, precisamos extrair força tanto da dor, quanto do prazer, tanto do mau quanto do bom encontro. Porque em geral nós não sabemos extrair força, extrair intensidade. Nós usamos o mau encontro para nos sentirmos vítimas e acusarmos a um outro. E usamos o bom encontro para sentirmos o prazer que alivia, que faz dormir…
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: E sacanear o outro. É isso.
[Luiz Fuganti]: Sacanear o outro.
[Risos]
[Luiz Fuganti]: E temos que retomar isso, o humor, que é o que você mais tem.
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: É o que mais temos, é isso aí. Humor e superfície. Outra coisa que você colocou uma ênfase muito boa, e que é interessante relembrar, faz parte do Multidão e minorias, a ética do acontecimento. Que, em última instância, é ética que Deleuze defende como sendo a ética do filósofo. O conceito é uma contraefetuação. É isso.
[Luiz Fuganti]: Na Lógica do sentido, na série do acontecimento, ele diz, logo após a citação do Joë Bousquet, ele diz “Ou a moral tem isso a dizer, ou ela deveria se calar”. O que ela deveria dizer? “Torna-te digno do que te acontece.” Fazer do acontecimento as chagas purulentas que envenenam a vida, isso é a maneira mais indigna, mais feia de existir. Então, nos tornarmos dignos daquilo que nos acontece, é essa a ética do acontecimento. É maravilhoso. Muito bem lembrado.
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: Genial, Fuganti. Vamos crescer a rede. Não é rede, não, isso é rizoma. Não vamos chamar de rede, é um rizoma.
[Luiz Fuganti]: Isso é maravilhoso. Parabéns pela ideia, pelo evento. Isso tem que acontecer cada vez mais.
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: Tem que acontecer cada vez mais, claro, a produção de acontecimentos que forcem as pessoas a pensarem e a se moverem.
[Luiz Fuganti]: Exato.
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: E sair dessa separação imaginária daquilo que pode, através de dispositivos simbólicos que são feitos para inibir as pessoas. Retomar isso.
[Luiz Fuganti]: Tomar a vida nas próprias mãos.
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: Tomar a vida nas próprias mãos, isso aí. E se apropriar do que pode. E olha, Spinoza dizia, “Desejo enquanto falta, é só pôr o nome do primeiro gênero, entupindo de paixões tristes”. Ele dizia isso. No segundo gênero, não tem falta alguma. No terceiro, muito menos.
[Luiz Fuganti]: Só tem alegria.
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: Só tem alegria.
[Luiz Fuganti]: É isso o que nós desejamos para os nossos intelectuais. Tornem-se alegres.
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: Tornem-se alegres. Isso. Aprenda a rir, a jogar e a dançar.
[Luiz Fuganti]: Maravilha. Olha, vocês estão de parabéns. Muito bom. Adorei participar aqui, queria agradecer. Eu acho que estamos chegando no fim, é isso?
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: Estamos chegando no fim… Tá? Hudson, aparece aí, por favor. Vamos fazer uma despedida coletiva. Oba, isso. Vamos agradecer aqui. Hudson organizou este evento comigo, mas quem cuidou da organização pontual de mesas foi ele. Nós concebemos o evento juntos, eu fiquei mais conversando com vocês, e ele organizando tudo. Então o Hudson é um aliado. Aliado para novas multidões de minorias. Fala lá, Hudson.

[Hudson A. R. Bonomo]: Eu queria agradecer muito a todos e todas. Principalmente ao público, que foi responsável por isso acontecer. Tem todo um investimento para se fazer um evento como este. Fizemos sem nenhum fomento, sem nenhuma instituição. Queríamos mostrar que era possível fazer isso com multidão de minorias de verdade. Sem nenhum apoio. E fizemos. Um evento grande, de três dias, difícil de se realizar, tecnológico. Não é barato fazer isso. Estamos conseguindo entregar um congresso de três dias, com libras, inclusivo, em espanhol também, para que a população latina possa também acompanhar isso, esse movimento. Então isso eu não tenho nem uma forma de expressar a emoção que é para mim, ver isso acontecer depois desse tempo todo, desses meses todos de preparação para que isso acontecesse. É único. Na minha vida, eu nunca passei por uma experiência como essa. Então eu estou aqui dividindo que é uma potência imensa isto que aconteceu aqui. E isso já mudou a minha vida, com certeza. E a sua fala, Fuganti, mudou a minha vida hoje, com certeza.
[Luiz Fuganti]: Obrigado. Obrigado.
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: Diego, diga alguma coisa, por favor.
[Diego Azevedo – intérprete de libras]: É um prazer estar junto com vocês em um evento como esse, realmente faz muita diferença, tem muito a contribuir. Principalmente por saber que foi um evento feito com as próprias mãos, sem depender de ninguém, só do público mesmo, e do trabalho que vocês já vêm realizando. Pode estar aqui e participar junto com vocês realmente é um privilégio. E aprender um pouco, porque sai um pouco da minha alçada, mas estando com vocês aqui a gente acaba percebendo muitas coisas que vocês trabalham e que realmente têm muito a contribuir para todos nós. Obrigado pelo privilégio de poder estar junto.
[Hudson A. R. Bonomo]: Eu queria também incluir aqui o Leomir. Leomir, se puder aparecer. É muito importante para a gente, também, você aparecer aqui. Leomir é o responsável pela transmissão do evento, do estúdio Seven, lá de Salvador. Fez um trabalho magnífico, o apoio incondicional aqui, em todos os momentos, até de noite. A gente mandando mensagem, ele fazendo de um dia para o outro. Foi assim um trabalho muito digno. Muito obrigado. Agradeço muito em nome de todos, inclusive o público, que conseguiu isso muito graças a vocês também. Muito obrigado.
[Leomir]: Eu que agradeço, Hudson, prof. Auterives, pela confiança. Por ter confiado a nós do estúdio Seven essa grande missão de ficar com a parte técnica, fazer todas essas transmissões do evento. Como o Hudson falou, foi um trabalho que envolveu um planejamento muito grande, muito amplo, que certamente contribuiu para o sucesso do evento. O que realizamos nesses três dias com certeza foi fruto de muito trabalho, de semanas anteriores nas quais a gente se debruçou sobre o evento. Parabéns. Parabéns, mesmo. Me sinto grato e muito feliz por ter participado. Obrigado.
[Hudson A. R. Bonomo]: Auterives, palavras finais?
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: Bom, eu vou voltar a agradecer, mas eu vou deixar que o Fuganti encerre o evento com chave de ouro. A palavra é sua, Luiz.
[Luiz Fuganti]: Nossa, Auterives. De fato, eu fico muito emocionado com esse acontecimento. O acontecimento, por ser acontecimento, é sempre surpreendente, mas há acontecimentos e acontecimentos. Este é de uma surpresa muito alegradora. Isto aqui de fato é uma invenção, nós estamos inventando o comum, o comunal. Eu gosto sempre de dizer, de chamar o comum de comunal porque muitas vezes a gente confunde a palavra também. É bom nomearmos diferente. O “comunal”, para fazer realmente a diferença entre a antiga forma comunista, ou as antigas formas socialistas ou coletivistas, ou mesmo de um ser comum que seria ordinário — porque o comum, na verdade, é extraordinário. Isto aqui é um evento extraordinário, isto aqui é a produção de uma zona comunal, sem a qual as diferenças não são agenciadas de modo transversal e direto. O que ficamos aqui, inclusive, muito admirados e muito alegres, é que isto aqui é feito sem a força pública e a força privada, mas a força do desejo de cada um que quer ver acontecer aquilo que está por ser criado ainda. Então isto aqui é a produção do comum. E a produção do comum faz o quê, exatamente? Retorna sobre nós em forma de diferenciação da nossa potência. Ou seja, ela contempla os nossos processos de singularização. Quanto mais comunizamos, mais singularizamos. Quanto mais singularizamos, mais contribuímos para a produção do comum. Maravilhoso. Muito obrigado. Obrigado a todos.
[Prof. Dr. Auterives Maciel Junior]: Obrigado! [Aplausos]